Dimensões

DIMENSÕES III

    A quarta dimensão, para nós simples mortais condenados às três dimensões espaciais, é uma especulação imaginativa mas muito útil por exemplo para a famosa e agora centenária teoria da relatividade que afirmou ser essa quarta dimensão o tempo. Realmente os fenómenos físicos, fundamentalmente os fenómenos de dimensão (aqui quero dizer tamanho) astral, passaram a ser muito mais facilmente explicados com mais uma dimensão, passando a chamar-se, no âmbito da Física relativista, a este novo conjunto quadridimensional "espaço-tempo".

 

    Mas então que raio de coisa é esta da quarta dimensão? Pensemos do seguinte modo: somos seres que vivemos num mundo com três dimensões e aqui mudemos para uma linguagem mais dos físicos e passemos a dizer num mundo com três graus de liberdade, pois apenas podemos deslocarmo-nos para a frente (trás) - um grau - ou para o lado direito (esquerdo) - outro grau - e para cima (baixo) - o terceiro grau de liberdade. Então e podemos ver a quarta dimensão? Não! Seguramente que não! A única coisa que nos é permitido "ver" da quarta dimensão, será toda e qualquer interferência dessa quarta dimensão com o nosso mundo espacial, tridimensional. Podemos ainda e de modo fácil especular sobre o número de vértices ou de arestas de um hipercubo (o tal das quatro dimensões); se um cubo tem oito vértices, então o hipercubo deve ter  dezasseis vértices pois resultará da junção de dois cubos. Como? Perguntarão! Não, eu também nunca vi nenhum mas se um cubo resulta da junção de dois quadrados, então o hipercubo deve resultar da junção de dois cubos.

 

    Penso que consegui de uma só cajadada demolir dois mitos. Um deles tem a ver com a cada vez mais divulgada ideia de que a quarta dimensão é de modo enfático, rigoroso e fundamentalmente "visível", o tempo! O outro é o de que a matemática é uma "fonte de verdade indubitável". Qualquer um destes mitos, não passa disso mesmo, um mito. A realidade é que "não é possível desenhar com rigor a quarta dimensão"; podemos é imaginar projecções da quarta dimensão sobre três e depois, mais complicado ainda, projectar tudo sobre duas dimensões, as do desenho; para tal, necessitamos da imaginação fértil de um artista como Salvador Dali por exemplo (ver hipercubo, abaixo) ou, seguindo as palavras de Apollinaire a propósito dos, na época novos, pintores cubistas:

 

" Tem-se reprovado vivamente, aos novos pintores as suas preocupações geométricas. Sem dúvida que as figuras geométricas constituem a essência do desenho. A geometria, ciência que tem por objecto as extensões, suas medidas e relações, tem sido sempre a regra da pintura.  Até ao presente as três dimensões da geometria euclidiana bastavam  para as inquietudes que o sentimento de infinito produzia na alma dos grandes artistas.   Os novos pintores, como os antigos, não se propuseram ser geómetras. Porém, pode dizer-se que a geometria é para as artes plásticas o que a gramática é para a arte de escrever. Actualmente, os sábios já não se ficam pelas três dimensões da geometria euclidiana. Os pintores deixaram-se levar de modo inteiramente natural e por assim dizer, intuitivamente pela preocupação de novas medidas possíveis da extensão que em linguagem das modernas escolas científicas se conhece conjunta e brevemente por quarta dimensão".(*)

 

    Então a quarta dimensão é uma mera especulação! Mera não será, pelo menos para a Física relativista para quem é um bem precioso que permite resolver problemas como o desvio da luz por acção da gravidade, ou que permite ter noção do desfasamento temporal provocado em movimentos a velocidades bem grandes, ou ainda  explicar como o espaço e o tempo se curvam perante a energia. Podemos acrescentar que na física das partículas, impera uma outra teoria, a "mecânica quântica", mas as tentativas para unificá-las tem demorado, havendo agora uma esperança com o aparecimento da chamada "teoria das supercordas" que, imagine-se, utiliza o conceito de nove dimensões.

 

    Quanto ao outro mito referido, limito-me a transcrever um pequeno trecho do livro "A Experiência Matemática" (**):

 

"A hipótese tácita dos três pontos de vista fundacionistas tradicionais é a de que a matemática deve ser uma fonte de verdade indubitável. A experiência real de todas as escolas - e a experiência diária dos matemáticos - mostra que a verdade matemática, como todas as outras verdades, é falível e corrigível.   Teremos mesmo de escolher entre um formalismo que é refutado pela nossa experiência diária e um platonismo que postula uma terra mítica, encantada, onde o incontável e inacessível está à espera de ser observado pelo matemático, a quem Deus abençoa com uma intuição suficientemente boa? É razoável propor uma tarefa diferente para a filosofia matemática; essa tarefa não é a procura de verdade indubitável, mas sim encontrar uma descrição do conhecimento matemático, como ele é na realidade - falível, corrigível, tentativo e sujeito a evolução, como todos os outros tipos de conhecimento humano. ... A essência da matemática é a sua liberdade, disse Cantor. Liberdade para construir, liberdade para fazer suposições."

 

NOTAS:(*) Apollinaire - Méditations esthétiques - Les Peintres Cubiste, Paris 1913 

 

               (**) Davis, Philip J. e Hersh, Reuben - A Experiência Matemática - Gradiva, Lx 1995

 

Publicado por Xico Corrêa em 01/10/2005 no blog "Há água em Mat", o primeiro

 

O Hipercubo - Salvador Dali

O hipercubo - Salvador Dali

publicado por xico corrêa às 17:40 | comentar | favorito